I Rodada de Discussão D.A. Música
Música independente é possível? Antes, o que é música (in)dependente? Depende de quem ou o que? Qual o impacto as novas tecnologias dos últimos dez anos causou na cadeia produtiva da música? Como se configurava esta cadeia, aliás? O que podemos fazer agora?
Estas e outras questões foram debatidas na última semana durante a 1ª Rodada de Discussão D.A. Música. Nos dias 6 e 8 deste mês o Diretório Acadêmico da Escola de Música da UFMG organizou debates em torno do tema Música Independente. O debate contou com os músicos e produtores Lucas Mortimer (Coletivo Pegada), Makely Ka (Comum), Roger Deff (Jornalista e Rapper), Kristoff Silva, Alexandre Guimarães (OSFEA) e Marcelo Santiago (blog Meio Desligado). A maioria, com formações acadêmicas outras que Música, mostrou várias possibilidades de articulação artística, comunicacionais e políticas para uma nova cena de produção e distribuição de música independente das grandes gravadoras. Segundo os debatedores, o sistema de viabilização econômica calcado na venda de discos e contratos de licenciamentos está falindo há dez anos – desde o surgimento da internet e dos formatos de compressão de áudio e vídeo de fácil acesso. Não é só isso, a grande emergência de novos produtores de música aponta que as novas tecnologias permitiram a concretização de trabalhos artísticos à muito tempo segurados no anonimato, dado o alto preço dos recursos de produção e o monopólio das mídias de distribuição pré-internet, como o rádio e a televisão, por grandes corporações.
No primeiro dia do debate, realizado à noite, o evento contou com o auditório cheio e uma grande participação do público que advinha principalmente do curso de Música Popular e Música Licenciatura e da comunidade de fora da escola. A preocupação pelo tema é proeminente, e alarmante. Questionamentos mais perturbadores aparecem quando se dá conta de uma realidade universitária que apresenta cursos de música erudita européia a longos anos, incluindo composição, e uma parca história de reflexão acerca da interlocução deste com a sociedade capitalista em que vivemos. Pensar o desenvolvimento da criatividade e o diálogo social torna-se necessário, tanto no aspecto político que a ação criativa pode exercer na sociedade, quanto no contra-impacto que o entorno devolve aos sujeitos criativos. Talvez terminamos por construir uma sociedade onde certos tipos de criatividade não cabem. A junção no discurso entre arte e política (leia-se também economia e poder) tem seu histórico de conflitos no nosso país. Mas vemos também, atualmente, certa paz. Não uma paz de acordo, mas uma paz pela não comunicação, pela alienação. Vemos a Escola de Música alheia às cadeias produtivas musicais atuais. Vemos músicas e formas de se usar música com mais freqüência fora do que dentro da escola. Ficou nítido o hiato existente entre os cursos de música oferecidos pela Escola de Música e a realidade social brasileira que aguarda os formandos. Não é incomum ver sujeitos formados na escola ingressando em outros cursos ou outras áreas do conhecimento por não terem expectativas atraentes de trabalho. A Rodada foi uma excelente iniciativa para começarmos a pensar nestas questões. Não que tenhamos que responder a isto ou resolver de forma prática esta “necessidade de mercado”. Mas que isto integre nossas reflexões acadêmicas e permita novos caminhos de pensamento sobre a sociedade, sobre a arte, sobre o nosso papel e o de uma instituição que se autodenomine Escola de Música.
Existe também outro hiato – do lado de fora. Segundo as reflexões a partir do debate, estamos vivendo uma época de reconfiguração das relações econômicas musicais. Os modelos antigos estão em decadência. Mas ainda não se pode falar em modelos viáveis certos. As Leis de Incentivo à Cultura por renúncia fiscal são vistas pelos debatedores como projetos falidos, onde poucos artistas consagrados são pleiteados por empresas interessadas na publicidade, enquanto o governo “lava as mãos” na corrida para a captação. Existe entretanto uma gama de organizações coletivas preocupadas em construir uma nova cena necessária. O jeito de se consumir música mudou avassaladoramente nos últimos anos, e ainda não se estabilizou. A era dos novos suportes (celulares, Ipods, Mp3 players) substituiu a era dos discos. Mas isto tudo ainda pode passar á margem economicamente dos músicos. As organizações coletivas de artistas e produtores independentes estão em fase de elaboração e construção, em um campo até mais promissor do que antes, de novas formas de viabilizar produções culturais diversificadas.
Neste meio de reconfigurações vertiginosas estão presentes, ditando muitas regras, nossas formas de escuta. A maneira com que escutamos o mundo pauta as possibilidades de configuração do mesmo. “Não adianta a música ser independente se seu ouvido não é” diz o slogan da Feira da Musica do ano passado. Nos tempos de hoje fica claro que, sem um discurso que mistura arte, grandes empresas de comunicação e distribuição, investimentos públicos, tipos de escutas, economia, escolas, família, trabalho, sociedade, lazer, etc. Fica difícil entendermos e reconstruirmos nossos papeis e espaços sociais.
É injusto dizer que não existem iniciativas de auto reflexão dentro da Escola. Não são raras discussões curriculares na história da Escola de Música, com a participação dos alunos. Mas a gigante transformação nos meios de produzir e consumir música arrebentaram só recentemente os portões a dentro da escola, junto com os cursos novos noturnos, e a entrada de muitos músicos populares que até então construíam suas carreiras musicais além da universidade.
Os organizadores prometem que esta Rodada é a primeira de muitas. Sobraram assuntos para os momentos de debate que ficaram curtos com tanta participação do público. Ficou claro quanto trabalho está sendo feito a há ainda por fazer para a construção de um novo cenário de produção e consumo de música e a Escola de Música deve se apressar para não ficar para traz, perdida no século XIX.
Confiram as fotos, os vídeos e demais publicações em breve no blog do D.A. da Escola de Música.
Gabriel Murilo Resende
Mestrando do Curso de Musica Licenciatura da ESMU- UFMG
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